quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Jandira

Keila não é uma menina que fala muito; por isso quando ela se dirigiu a mim de forma definitiva, vi duas coisas: Ela venceu sua timidez para me abordar e dizer que queria ingressar como ministra vocal no Ministério Casa de Hegai; e vi também que ela podia ser retraída mas sabia bem o que queria.
Eu mesmo já havia descontraidamente cogitado Keila no Louvor, afinal apesar de pouco mais de um ano como membro da igreja, me passava uma idéia de moça séria, de família, namorava desde que veio de outra denominação, com Kleber, que já fazia parte do ministério de louvor, como tecladista, aliás, que tecladista!
Keila teve sua chance e não desperdiçou; pouco tempo depois de figurar regularmente na escala de ministrações semanais, ela me procurou uma segunda vez; desta vez para ter acesso as ministrações de aulas de canto, pelas quais muitos têm me procurado já há alguns anos.
Iniciamos as aulas e tudo corria bem no curso pré-estabelecido, e mesmo sendo cedo para um reflexo prático, visto que era ainda o segundo mês de aulas, alguma coisa já havia mudado na postura de Keila. Estava mais segura.
Foi quando a temática de uma determinada aula ganhou cunho pessoal, uma vez que todo aluno sob minha égide, é compelido a viver a tônica do que canta antes de ministrar, e até mesmo para que se rebusque sentimento verdadeiro na interpretação, e não se cante de forma apenas atuante. Pois bem, naquela aula Keila foi peculiarmente ministrada a respeito de se tornar uma catalisadora na sua expressão e na sua incidência ministerial.
Na aula seguinte, uma semana depois, o princípio da Catalisação Profética teve que ganhar ares práticos; foi quando comecei a conduzi-la a imaginar um alvo para sua voz, além do seu alcance físico, e do seu conhecimento empírico.
Eu fui formulando questões que a fizessem definir situações inusitadas. Indiquei a hipótese de uma missionária que acabara de deixar o Brasil se dirigindo um país estranho, fiquei estasiado com a rapidez com que as respostas vinham, e então, fui dando corda. Ela é morena quase negra, de cabelos escorridos – completou Keila. De média estatura e solteira - concordamos. É um daqueles países onde as pessoas são bem magras – dizia Keila. Etiópia? Perguntei... Não – foi categórica. Somália? Continuei. Isto! Afirmou ela.
Compliquei a situação da missionária quanto à estadia, mas Keila foi definindo o quadro: Ficará por 02 meses na casa de um irmão que só tem condições para este tempo, e depois terá que sair, arranjar outro lugar ou até sair do país para não morrer de fome ao relento. Mas onde ela está agora? Perguntei. Na casa deste irmão – respondeu. E o que ela está fazendo? Insisti... Ajoelhada à beira de uma cama que não tem exatamente um colchão, mas alguns panos e trapos; ela está chorando em oração e pedindo a Deus uma solução que não envergonhe sua ida até lá e uma oportunidade para fazer a glória de Deus se manifestar sobre o povo da Somália, mudando a situação daquele lugar – foi mais ou menos assim que Keila me respondeu.
Foi quando pensei em como se chamava a missionária. É um nome meio assim....foi imaginando. Jandira? Perguntei. É! É este mesmo! E assim tínhamos um quadro que precisava ser mudado rapidamente e Keila estava estimulada a catalisar as bênçãos de Deus para a vida de Jandira.
A esta altura dos eventos, chegaram Vanessa e Roberta Benjamim alunas dos horários posteriores, que convidei a participar, afinal também fazem parte do ministério Casa de Hegai.
Começamos a cantar “Ao erguermos as mãos” versão de Aline Barros, da música dos News Boys e depois que terminamos tínhamos tido a nítida idéia que acabáramos de chegar da Somália, dado o tamanho realismo da experiência profética a que nos empenhamos.
Vimos helicópteros ainda nos ares, derrubando cargas de mantimentos e sortimentos de ajudas internacionais; vimos gente fraca demais para se levantar e participar das mesas coletivas; vimos pessoas frágeis sendo literalmente cozinhadas pelo sol escaldante do meio dia, e depois congeladas ao relento noturno; vimos semblantes de crianças perdidas de seus pais, famintas, caídas em algum lugar de campo aberto, assombradas por ansiosos abutres. Vimos também uma missionária de vestido estampado, creme com flores em tom magenta e marrom ainda ajoelha levantando suas mãos e profetizando sobre aquela nação.
Mas o que mais nos agradou foi: Ver o céu de nuvens negras cedendo a um novo dia de céu azulado, raios mais que de sol irradiando a glória de Deus enquanto profetizávamos aquela canção; foi ver os campos desérticos cobertos de fome e morte, se tornarem verdes e vastas plantações; Ver o olhar que buscava alívio na morte fitando helicópteros da ajuda internacional, agora regozijar com a vida no rasante do avião que esparge fertilizantes por toda plantação.
Vimos um povo alegre que sabe fazer festa pela farta colheita, o coral de crianças cantado: “Santo Santo é o Senhor poderoso; Santo somente o seu nome é....”, velhos dançando antigas danças esquecidas no tempo da fome e resgatadas agora em tempos de alegria... Vimos tantas coisas e tantas esquecemos de relatar que ficou difícil apagar Jandira de nossas mentes como quem apaga uma lição no quadro.
Terminamos aquela aula com uma certeza interior de que nossa adoração de fato havia alcançado a Somália e que Jandira era bem mais que um exemplo de aula de canto com motivação profética.
Na semana seguinte Keila me confessou: Esta semana eu orei por Jandira; imagina?

Pr. E.H.S. Kyniar
SP 05/01/06 – 02:59

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