Não posso afirmar que minha primeira impressão de um
professor foi boa. Dona Marilene me pareceu bastante amarga para os meus seis
anos de idade, e não sei bem o que aconteceu, mas lembro-me que essa professora
se recusou a entregar meus exames finais para que minha mãe evidenciasse sua
decisão de me reprovar...
No outro ano, eu amarguei a repetição da primeira série do primário,
o ensino fundamental, e já conhecia de cor a cartilha Caminho Suave, que a
professora Célia insistia em me ensinar. Essa por sua vez atenciosa professora
que me cativou.
Certa vez, eu desenhei um vestido e pintei com lápis de cor e
dei a arte para a professora Célia, com a promessa de que quando tivesse
quatorze anos, eu compraria tal vestido e lhe presentearia; aliás, eu nunca me
esqueci dessa promessa, no entanto nunca reencontrei essa professora Célia que
lecionou no ano de 1973 na Escola Estadual de Primeiro Grau Jandyra Vieira Cunha
Barra. Quase no final daquele ano, grávida, a professora Célia se retirou da
escola por licença e a professora Carolina que a substituiu deve ter tido suas
razões plausíveis, mas eu não gostei nada deter que engolir novamente o sabor de
ser reprovado.
Mudamos de escola no ano seguinte. Lá ia eu de novo conhecer
mais uma professora... Dona de um Passat LS verde água (talvez verde claro),
foi minha professora por dois anos, finalmente com a professora Cleuza, eu
descobri o que era passar de ano! Seo Pedro era o caseiro da Escola Estadual de
Primeiro e Segundo Grau Adelino José da Silva D’Azevedo e como me aporrinhava!
Não me deixavam ser travesso... Nem Seo Pedro nem Dona Malvina a servente da
Escola; entretanto, a doce docência da professora Cleuza chegou ao meu paladar
de aluno que adora o mel do saber.
Mas a escola era um pouco longe de casa e acabei por ser transferido
para a Escola Estadual Primeiro Grau Walter Belian. Lá fui aprendendo a
conhecer melhor os professores e a admirá-los, e o dia do professor em 15 de Outubro,
passou a fazer bastante diferença pra mim. Lembro-me que em 1976 ainda voltei à
antiga escola para presentear a professora Cleuza que durante muito tempo foi
uma grata lembrança do que pra mim é a doce docência.
Em 1980 deixei a escola pública para trás e ingressei no
SENAI, onde fui levado pelo meu pai, a buscar uma profissão, e acabei por me
formar em Mecânica Geral, me tornando mão de obra especializada para a indústria
em franca expansão nesta década de 80. Junto com a profissão, o SENAI 1.1 Roberto
Simonsen também era minha chance de recuperar os anos que perdi com reprovações;
fiz o ginásio inteiro em dois anos.
No SENAI conheci professores sistemáticos onde um minuto
fazia toda a diferença entre atraso e pontualidade; onde a cor da caneta fazia
toda diferença na nota, onde a roupa e o asseio valiam ponto, onde critérios minuciosos
diferiam esforçados de relaxados... Posso
ressaltar o professor Soler. Alto, obeso e extremamente sereno, nunca vi ser desrespeitado
por um aluno, fosse ele o pior delinqüente na escola; e olha que tínhamos tipos
pitorescos ali na Rua do Gasômetro no Bras. Foi ali que durante um tempo, dei
aulas de violão, sendo incentivado pela assistência social, e assim provei um
pouquinho da doce docência pela primeira vez.
Depois do SENAI tive um ano perdido na Escola Estadual de
Primeiro e Segundo Grau Wolny Carvalho Ramos. Lembro-me que um professor insistiu
pra que eu pegasse a prova de geografia dizendo que eu me arrependeria de desistir
nas ultimas semanas do ano letivo; entretanto estupidamente me imaginei cheio
de razão e que tinha todo o tempo do mundo para recuperar um ano perdido.
Aquele professor tinha razão... Arrependi-me amargamente.
Mas enfim, como eu queria fazer publicidade, ingressei no
Colégio São Judas Tadeu e ali percebi outra gama de professores e fui
bombardeado por elevação da auto-estima e criatividade. Um professor, Jadon,
foi um dos meus grandes incentivadores a manter atividade da escrita, e com ele
fui ingressando no universo sacro do barroco, no convite bucolista do Arcadismo,
nos códigos sublevadores do romantismo e na valorização das palavras e definição
da linguagem pessoal. Nada desde Olavo Bilac (Parnasianismo), Oswald de Andrade
(Modernismo) até a Poesia Concreta (Tropicália)... Nada me atrai tanto quanto o
Barroco, Arcadismo e o Romantismo. Posicionar-me entre os princípios e minha
percepção da literatura brasileira, foi o grande legado do São Judas Tadeu.
Nestes três anos, a docência foi bem doce.
Dez anos depois eu iniciei um curso de bacharel em Teologia
pelo Seminário Teológico Holiness Coreano, e novamente me vim aprovar da doçura
que só um professor movido a ensinar com legitimidade pode fazer seu aluno experimentar.
Aulas como de Soteriologia, o professor Sebastião fez o livro de Romanos ser
como uma suculenta Maria mole derretendo na minha boca; o Reverendo Gilson,
fazia das aulas de Homilética uma inesgotável bica jorrante de leite Moça; e o
professor Key Yuasa então... As aulas de história eram de se arrumar na
cadeira! Fazia a gente se sentir pequeno para caber naquela linha do tempo; imagino
que pequeno o suficiente como que pra mergulhar na história que era mais um
favo de mel.
Hoje sei que ninguém vai dar importância para esse velho lambuzado
que perdeu a compostura e passou a lambrecar os dedos no conhecimento e na
disposição de seus professores como quem se justifica dessa ação dizendo que é
um Danete Cultural... Deve ter ainda uns resquícios de mel pelas beiradas da
minha boca e com certeza as minhas mãos com que registrei e exercitei tanto
conhecimento devem estar viscosas já expostas a tanta doçura!
Acabo parecendo um meninão com saudades do homem do Algodão Doce;
mas na verdade sou aquele que reconhece o trabalho de quem distribuiu tamanha
doçura pela sua docência e nos tornou mais resistentes ao amargor da vida, pela
qual transitamos ainda hoje, mascando pensamentos como cera do favo de mel que
ainda mantém um memorial saboroso.
Quando vejo nos noticiários a resposta amarga de uma
sociedade a estes agentes da doçura, como a desvalorização da Pedagogia diante
mesmo de cursos de menor dedicação e valência, professores trabalhando com medo
da comunidade a qual se prontificou a beneficiar com o enriquecimento da cultura;
quando vejo tamanha depreciação dessa doce docência, entendo por que a
sociedade está tão amarga.
É bem verdade de que o militarismo impôs um conteúdo
programático nas escolas, que manutencionasse o seu regime pelas décadas que
cresci, todavia, a democracia tem retirado mais do que elementos de controle militar
da nossa educação! Tem retirado o valor da própria educação quando desdenha o
valor do magistério. Essa mensagem de depreciação tem tornado o exercício da
docência uma atividade que azedou. O povo entende seus governantes mesmo que
não entendam os meios de fiscalização ou mobilização.
O povo sabe que para o Executivo, para o Legislativo e para o
Judiciário, a figura do professor já não é tão nobre; e assim, professores são
desrespeitados em sala de aula, perdem o respaldo da autoridade, são
costumeiramente agredidos, e vimos recentemente em Belo Horizonte que um
professor universitário foi morto a facadas por um aluno.
É sempre assim: Quando criança, a gente chora para que nossos
pais que têm a autoridade e o dinheiro comprem a Maçã do Amor pra gente, enquanto
o vendedor se mostra amigo e espera a decisão dos pais; depois que a gente
cresce e se torna pai, temos a autoridade e o dinheiro, mas Maçã do Amor é
enjoativa! Não importa quanto os nossos filhos chorem é insignificante; e o
vendedor a disposição, um inconveniente que já devia ter sumido do mapa. Que
doce docência que nada!
Vem ai, dia 15 de outubro, mas se todo dia é dia de aprender;
todo dia é dia do professor.
Hum! Gostoso...
Por E.H.S. Kyniar
A todos os que me ensinaram na vida