terça-feira, 4 de outubro de 2011

Doce Docência



Não posso afirmar que minha primeira impressão de um professor foi boa. Dona Marilene me pareceu bastante amarga para os meus seis anos de idade, e não sei bem o que aconteceu, mas lembro-me que essa professora se recusou a entregar meus exames finais para que minha mãe evidenciasse sua decisão de me reprovar...
No outro ano, eu amarguei a repetição da primeira série do primário, o ensino fundamental, e já conhecia de cor a cartilha Caminho Suave, que a professora Célia insistia em me ensinar. Essa por sua vez atenciosa professora que me cativou.
Certa vez, eu desenhei um vestido e pintei com lápis de cor e dei a arte para a professora Célia, com a promessa de que quando tivesse quatorze anos, eu compraria tal vestido e lhe presentearia; aliás, eu nunca me esqueci dessa promessa, no entanto nunca reencontrei essa professora Célia que lecionou no ano de 1973 na Escola Estadual de Primeiro Grau Jandyra Vieira Cunha Barra. Quase no final daquele ano, grávida, a professora Célia se retirou da escola por licença e a professora Carolina que a substituiu deve ter tido suas razões plausíveis, mas eu não gostei nada deter que engolir novamente o sabor de ser reprovado.
Mudamos de escola no ano seguinte. Lá ia eu de novo conhecer mais uma professora... Dona de um Passat LS verde água (talvez verde claro), foi minha professora por dois anos, finalmente com a professora Cleuza, eu descobri o que era passar de ano! Seo Pedro era o caseiro da Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Adelino José da Silva D’Azevedo e como me aporrinhava! Não me deixavam ser travesso... Nem Seo Pedro nem Dona Malvina a servente da Escola; entretanto, a doce docência da professora Cleuza chegou ao meu paladar de aluno que adora o mel do saber.
Mas a escola era um pouco longe de casa e acabei por ser transferido para a Escola Estadual Primeiro Grau Walter Belian. Lá fui aprendendo a conhecer melhor os professores e a admirá-los, e o dia do professor em 15 de Outubro, passou a fazer bastante diferença pra mim. Lembro-me que em 1976 ainda voltei à antiga escola para presentear a professora Cleuza que durante muito tempo foi uma grata lembrança do que pra mim é a doce docência.
Em 1980 deixei a escola pública para trás e ingressei no SENAI, onde fui levado pelo meu pai, a buscar uma profissão, e acabei por me formar em Mecânica Geral, me tornando mão de obra especializada para a indústria em franca expansão nesta década de 80. Junto com a profissão, o SENAI 1.1 Roberto Simonsen também era minha chance de recuperar os anos que perdi com reprovações; fiz o ginásio inteiro em dois anos.
No SENAI conheci professores sistemáticos onde um minuto fazia toda a diferença entre atraso e pontualidade; onde a cor da caneta fazia toda diferença na nota, onde a roupa e o asseio valiam ponto, onde critérios minuciosos diferiam esforçados de relaxados...  Posso ressaltar o professor Soler. Alto, obeso e extremamente sereno, nunca vi ser desrespeitado por um aluno, fosse ele o pior delinqüente na escola; e olha que tínhamos tipos pitorescos ali na Rua do Gasômetro no Bras. Foi ali que durante um tempo, dei aulas de violão, sendo incentivado pela assistência social, e assim provei um pouquinho da doce docência pela primeira vez.
Depois do SENAI tive um ano perdido na Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Wolny Carvalho Ramos. Lembro-me que um professor insistiu pra que eu pegasse a prova de geografia dizendo que eu me arrependeria de desistir nas ultimas semanas do ano letivo; entretanto estupidamente me imaginei cheio de razão e que tinha todo o tempo do mundo para recuperar um ano perdido. Aquele professor tinha razão... Arrependi-me amargamente.
Mas enfim, como eu queria fazer publicidade, ingressei no Colégio São Judas Tadeu e ali percebi outra gama de professores e fui bombardeado por elevação da auto-estima e criatividade. Um professor, Jadon, foi um dos meus grandes incentivadores a manter atividade da escrita, e com ele fui ingressando no universo sacro do barroco, no convite bucolista do Arcadismo, nos códigos sublevadores do romantismo e na valorização das palavras e definição da linguagem pessoal. Nada desde Olavo Bilac (Parnasianismo), Oswald de Andrade (Modernismo) até a Poesia Concreta (Tropicália)... Nada me atrai tanto quanto o Barroco, Arcadismo e o Romantismo. Posicionar-me entre os princípios e minha percepção da literatura brasileira, foi o grande legado do São Judas Tadeu. Nestes três anos, a docência foi bem doce.
Dez anos depois eu iniciei um curso de bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Holiness Coreano, e novamente me vim aprovar da doçura que só um professor movido a ensinar com legitimidade pode fazer seu aluno experimentar. Aulas como de Soteriologia, o professor Sebastião fez o livro de Romanos ser como uma suculenta Maria mole derretendo na minha boca; o Reverendo Gilson, fazia das aulas de Homilética uma inesgotável bica jorrante de leite Moça; e o professor Key Yuasa então... As aulas de história eram de se arrumar na cadeira! Fazia a gente se sentir pequeno para caber naquela linha do tempo; imagino que pequeno o suficiente como que pra mergulhar na história que era mais um favo de mel.
Hoje sei que ninguém vai dar importância para esse velho lambuzado que perdeu a compostura e passou a lambrecar os dedos no conhecimento e na disposição de seus professores como quem se justifica dessa ação dizendo que é um Danete Cultural... Deve ter ainda uns resquícios de mel pelas beiradas da minha boca e com certeza as minhas mãos com que registrei e exercitei tanto conhecimento devem estar viscosas já expostas a tanta doçura!
Acabo parecendo um meninão com saudades do homem do Algodão Doce; mas na verdade sou aquele que reconhece o trabalho de quem distribuiu tamanha doçura pela sua docência e nos tornou mais resistentes ao amargor da vida, pela qual transitamos ainda hoje, mascando pensamentos como cera do favo de mel que ainda mantém um memorial saboroso.
Quando vejo nos noticiários a resposta amarga de uma sociedade a estes agentes da doçura, como a desvalorização da Pedagogia diante mesmo de cursos de menor dedicação e valência, professores trabalhando com medo da comunidade a qual se prontificou a beneficiar com o enriquecimento da cultura; quando vejo tamanha depreciação dessa doce docência, entendo por que a sociedade está tão amarga.
É bem verdade de que o militarismo impôs um conteúdo programático nas escolas, que manutencionasse o seu regime pelas décadas que cresci, todavia, a democracia tem retirado mais do que elementos de controle militar da nossa educação! Tem retirado o valor da própria educação quando desdenha o valor do magistério. Essa mensagem de depreciação tem tornado o exercício da docência uma atividade que azedou. O povo entende seus governantes mesmo que não entendam os meios de fiscalização ou mobilização.
O povo sabe que para o Executivo, para o Legislativo e para o Judiciário, a figura do professor já não é tão nobre; e assim, professores são desrespeitados em sala de aula, perdem o respaldo da autoridade, são costumeiramente agredidos, e vimos recentemente em Belo Horizonte que um professor universitário foi morto a facadas por um aluno.
É sempre assim: Quando criança, a gente chora para que nossos pais que têm a autoridade e o dinheiro comprem a Maçã do Amor pra gente, enquanto o vendedor se mostra amigo e espera a decisão dos pais; depois que a gente cresce e se torna pai, temos a autoridade e o dinheiro, mas Maçã do Amor é enjoativa! Não importa quanto os nossos filhos chorem é insignificante; e o vendedor a disposição, um inconveniente que já devia ter sumido do mapa. Que doce docência que nada!
Vem ai, dia 15 de outubro, mas se todo dia é dia de aprender; todo dia é dia do professor.
Hum! Gostoso...

Por E.H.S. Kyniar
A todos os que me ensinaram na vida